sexta-feira, 16 de novembro de 2012


“E ver tudo bem mais claro no escuro”
                                                           Tim Maia

por Tatiana Tiburcio


Uma Princesa Nada Boba

O terceiro capítulo de SUBÚRBIA traz novamente o feminino como norte. No primeiro capítulo vemos o feminino presente na base dessa família que é matriarcal. No segundo o temos presente na manifestação do amor. Um amor negro, plural, espiralar na sua essência capaz de estar presente e forjar qualquer indivíduo que tenha em seu corpo/mente um solo fértil para cultivá-lo. Neste capítulo, vemos um feminino representado pela força da mulher. Uma força inerente a mulher de um modo geral – entendendo este geral como ocidental eurocêntrico.  Mas eu não estou aqui para falar do padrão. Minha forma de ver as questões apresentadas é carregada das particularidades referentes à minha condição de mulher, sim, ocidental, sim, mas NEGRA (graças a Deus! rs). Brincadeiras a parte este episódio me fez lembrar um livro infanto-juvenil (que na verdade serve pra todas as idades) que tenho na minha prateleira, intitulado “Uma princesa nada boba” de Luiz Antonio lançado pela Cosac Naify. Nesse livro, o autor apresenta uma menina negra que tem dificuldades de se aceitar porque quer ser princesa, mas as princesas não se parecem com ela. Então, em uma visita a casa da avó esta lhe apresenta outras princesas diferentes dos contos de fada com os quais ela estava acostumada. Princesas de África fruto de uma mitologia antiga e riquíssima cujas feições, estas sim se remetem a ela. Pode parecer não ter nada a ver com SUBURBIA. Porém o ponto de intercessão entre o livro e a série é justamente a personagem principal: a nossa princesa Conceição. Me incomoda muito quando leio na mídia que ela é a cinderela do subúrbio. Não é! Porque as nossas princesas/mulheres não ficam dormindo esperando que o príncipe/homem a traga de volta a vida, ou que a salve de um destino cruel qualquer. As nossas princesas tomam iniciativa. Vão à luta. São elas que salvam os príncipes, ou melhor, os próprios reis de um exército inimigo como na lenda em que Iansã (Conceição) salva Xangô (Cleiton) apenas com sua inteligência e com o seu amor. As nossas princesas não aceitam o jugo do príncipe, sua proteção financeira ou amorosa se não for de sua própria vontade. Como Conceição (Oxum Oporá – Oxum com Iansã) ao negar a ajuda financeira de Cleiton e ir atrás do emprego que precisa mesmo percebendo – e de certa forma até ignorando – o desagrado do namorado em relação a questão.
As nossas princesas/mulheres têm atitude. Elas dizem não ou sim quando lhes convém porque são autônomas; vivem independentes da existência do outro. São elas que geram esse outro que só existe pela vontade delas, na verdade. São mulheres que se permitem a fragilidade quando se cansam da batalha e que, como mulheres, têm a humildade e a liberdade de pedir ajuda.
Essa fragilidade é apresentada nas cenas no posto de gasolina.

O Posto: A fronteira

Foi preciso abrir um a parte nesse texto para esse lugar chamado posto de gasolina. Ali o Luiz nos apresenta um território limite entre a redoma de amor de Madureira e o mundo que os cerca. Este posto fica justamente sobre a linha tênue que separa estes dois universos e onde se concentra todas as representações da realidade, do mundo não-ficcional, do que vivemos fora da tela. Como na figura do dono do posto que é esse patrão capitalista que esta apenas interessado no lucro que pode ter com as situações que lhe são apresentadas. Que estende a mão pensando não no indivíduo que esta a sua frente, mas no que pode ganhar através dessa “ajuda” ofertada. Ou como a amiga da patroa de Vera que oferece um trabalho escravo disfarçado de assalariado para Conceição que junto com Vera “dá nuca” (num linguajar popular) para a proposta abusiva e exploradora. Um lugar onde a mulher é exposta como um chamariz para o dinheiro, o lucro. A mulher como objeto e no caso de nossa heroína um objeto cujo abuso é “permitido”, “autorizado de forma inconsciente (?)” pela História de nosso país.
É nesse lugar que o mal – dessa vez personificado no nosso modelo Armani, o Bacana – se apresenta pela primeira vez.
No início do capítulo vemos o conceito de belo sendo apresentado a partir de outros padrões. A beleza negra apresentada ao som de nada mais nada menos que Tim Maia, fora das referências socialmente reconhecidas; uma beleza doce, ingênua, pobre, negra; uma beleza em cores e simplicidade que irá contrastar com a trazida do mundo padrão, do lado de lá.
Bacana chega de preto travestido com uma elegância diabólica representando o protótipo de beleza padrão do mundo real: a perfeição Apolínea expressa no seu sorriso, nos seus traço que subjuga a mulher pela sua pretensa superioridade e a mulher negra pelo seu direito adquirido historicamente de posse. Com seu tacape contemporâneo (sua arma prateada) leva a força aquilo que lhe “pertence”.
É nesse lugar limite que as transformações são apontadas. Onde tudo pode virar, explodir, mudar. Como na fala de Eder, o dono do posto, quando pergunta se Conceição fuma, nos lembrando que nesse lugar qualquer fagulha pode fazer tudo ir pelos ares. É nesse lugar que o lado sombrio dos personagens aparece, onde eles são estimulados e potencializados. E Conceição sabe disso de forma inconsciente visto que ela está entre o seu amor e o mal que o instiga e provoca a perdição. O que Bacana não sabe é que essa é uma princesa nada boba, que vai se desequilibrar sim pela presença desse mal tão perto, mas que não vai desmaiar nem ficar dormindo até que seu príncipe a salve. Afinal...
“viver é ir entre o que se vive”
João Cabral de Melo Neto

6 comentários:

Anônimo disse...

Boa tarde! Estou observando ainda, gosto muito da serie, porém acho que precisamos de algo diferente que nos remeta o presente. Pois hoje somos mulheres que freqüentamos faculdade, que denunciamos marido, que sai em busca de bons empregos etc.
Acho que estamos na fase de ver novos exemplos para que aumente a auto - estima do nosso povo. Queremos dar esta virada, quem sabe na próxima serie algo deste jeito!
Minha mãe mesmo agora que eu única mulher e pessoa da família inteira a se forma numa universidade federal. Em função deste incentivo, minha mãe voltou a estudar com 53 anos e agora com 56, terminou o segundo grau! Precisamos de incentivo, ver que, todos nós somos capazes, é isso que faz com que as universidades fiquem cheias de pigmentações, quanto mais tem mais aparece à procura! Vamos pensar nisso, a televisão tem este poder de formar opinião então vamos fazer isso de uma forma mais positiva, mesmo que a realidade ainda não seja esta! bjs Flavia Souza.

17 de novembro de 2012 06:41

Anônimo disse...

Outra observação
Para uma menina da roça e tímida ela estava bem à-vontade no figurino de seu novo emprego, ainda é muito nítida a visão da mulher negra do corpo escultural que chama atenção sexual dos homens em geral, principalmente os homens brancos que na sua grande maioria pensam que somos objetos de desejo e prazer, e quando a Conceição não da confiança eles se acham no direito de tomar a força, como se ela não tivesse o direito de escolha e ele é a ótima opção.
Vamos ver o que acontece ao decorrer da serie. Estou gostando muito da apesar de continuar apostando em uma mudança de valores e espelhos para nosso povo ver uma janela diferente.
Flavia Souza.

17 de novembro de 2012 06:53

tatiana tiburcio disse...

Querida Flávia,

Copio pra vc a mesma resposta dada a um comentário anterior pois acredito que suas falas tem a mesma natureza

Boa noite Caroline!

Antes de mais nada precisamos lembrar que SUBURBIA é uma história ficcional baseada em duas histórias reais de pessoas cuja geração se encaixa perfeitamente dentro desse infeliz esteriótipo negro: analfabeto, empregado em funções mais subalternas e tal. Raras são as pessoas dessa geração que puderam chegar ao patamar de seu contemporâneo Joaquim Barbosa. Isso é uma realidade recente para os negros neste país. Hoje é mais comum ver negros ocupando cargos mais respeitosos socialmente falando do que a algum tempo atrás. E ainda assim somos muito poucos. Ainda somos exceção. Também é preciso se ater a pontos muito mais profundos e transformadores do que essas observações superficiais de negros em posição de comando e ricos porque isso não quer dizer nada. Se tiver a oportunidade de assistir ao documentário A NEGAÇÃO DO BRASIL de Joel Zito Araújo, verá que muitas obras em cinema e tv colocaram o negro nessa escala elevada socialmente falando mas de maneira pro forma,só pra constar. Aqui o mais importante não é dizer que o negro tem dinheiro ou que é engenheiro como o branco. O que se pretende mostrar é o valor e a riqueza desse negro que tem raízes, base, história, ancestralidade, valores forjados nessa mesma ancestralidade. Porque os Joaquim Barbosa da vida só chegaram onde chegaram porque são fruto dessa referência de base. Referência essa que a tv brasileira nunca nos permitiu ver representada. Quando se tem uma família negra na ficção esta esta sempre representada ou de maneira figurativa (só pra constar), ou de maneira partida (mais comum como as famílias de comunidades que só tem a mãe que rala o dia inteiro em casa de família e deixa seu filho sozinho no morro), ou esse negro solto no contexto da historia estando ali apenas pra cumprir a cota.

Em SUBURBIA temos uma realidade diferente a qual é preciso se ater. Ver esse quintal onde essa família se constrói a gerações; ver essas gerações presentes nas fotos da parede da sala de estar; ver a união dessa família que em si se fortalece, é muito novo! Logo no primeiro capítulo tem uma cena em que a personagem vai tomar banho. Nenhuma parte do corpo escultural da atriz foi mostrado e quando a mesma sai já vestida para se "apresentar" para a turma da rua, ela sai vestida com uma roupa que mais remete a uma crente do que a sensualidade que estamos acostumados a ver. Ou seja, o que torna essa deusa uma deusa não são apenas seus dotes físicos mas quem ela é e o que ela traz em si. A sensualidade fica restrita ao lugar em que ela se faz presente mesmo que é no baile funk.

Pra que seja crível para o negro se enxergar nessa posição de superioridade social e com isso se identificar e se fortalecer, é preciso primeiro quebrar alguns estereótipos. É preciso mostrar pra ele que ele tem história, raiz, verdade coisas que são alicerces dos grandes vencedores (com raras exceções). O negro americano se retrata como vitorioso porque todos eles conhecem bem a sua história, seus herois negros, sua ancestralidade, suas raízes. E é isso que os credibiliza quando retratados como vitoriosos. É preciso que estejamos dispostos a enxergar além e fortalecer o nosso discurso. Não para agradar ao branco (entendendo este não pela cor da pele mas pela representação de pensamento dominante)mas para criar bases fortes o suficiente que nenhuma ideia contraria possa derrubar.

Convido-a a continuar assistindo a série agora a partir desse olhar, tentando enxergar para além do óbvio e sempre que quiser este espaço é aberto para todo e qualquer tipo de comentário. Seja bem vinda, espero que tenha contribuído para suas reflexões de alguma forma e até breve

abs
Tatiana Tiburcio

Anônimo disse...

BOM DIA!
Estou acompanhando o seriado e algumas coisas não me agradam por já saber o que acontece com nosso povo. Pois há 10 anos já teve muitas mudanças e gostaria muito de ter a oportunidade de me ver e que nosso povo visse que tem outros caminhos e possibilidades e ver esta forma como um espelho. Que acontece tudo aquilo já sabemos, mas hoje já temos também outras histórias.
Fiquei muito emocionada com a cena que Cleiton em seu aniversário tenda agarrar subúrbia, e ela nega demonstrando que não é por que ela dança de shortinho que ela é uma menina dada! POIS ESTE TIPO DE MACHISMO EXISTE E PRECISA ACABAR. Fiquei com muita pena dela, pois ela preparou uma festa surpresa e tentou agradar ele, sendo que ele foi desagradável. Esta cena em minha opinião foi à melhor muito emocionante toda a família, na expectativa e surpreendida com tudo o que aconteceu e Subúrbia nem por isso denunciou ele isso demonstrou amor.
Depois as mudanças radicais do Cleyton, esta vingança, ainda têm que ver mais para tirar conclusões. De qualquer forma é muito bom ver nossos artistas negros em cena acredito que todo este dialogo vale apena para possíveis mudanças. E lembrando que existem artistas negros qualificados e não precisa ir procurar nas ruas. Rsrsrsr no próximo gostaria de estar La em cena meu amor. Estou gostando muito de algumas cenas a fotografia das imagens é linda. Há acho que da próxima poderia ser mais cedo ontem não consegui assistir, pois estava muito cansada e dormi. Bjs depois escrevo mais.
Flavia Souza
flaviarussa@hotmail.com

Anônimo disse...

vou começar a postar o que estão postando no face. ai vai uma.
Negra Rose
QUAL É A FINALIDADE DESSE SERIADO "SUBÚRBIA"???

Coincidentemente, após ler o "Mapa da Violência 2012", onde informa que a taxa de homicídios de negros cresce 5,6% em oito anos, enquanto a de brancos cai 24,8%, venho assistir a televisão e me deparo com esse programa "Subúrbia".

No Programa fala em vingar mortes de pessoas que foram assassinadas, cenas de tiros, brigas e mais apologia ao crime. Será que estão querendo naturalizar o genocídio da juventude negra??? O programa anterior, foi "A Grande Família", que é composta por pessoas brancas e que o chefe da família é uma pessoa "honestíssima", uma reserva moral da sociedade. Qual a finalidade de "subúrbia"? Entretenimento? Ratificar a imagem de que nas favelas quem não é criminoso é cúmplice? Que no Brasil o criminoso é negro? Em que esse programa contribui para o engrandecimento da sociedade brasileira???
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Djtamy Reis e outras 3 pessoas curtiram isso.
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Djtamy Reis Penso o mesmo!
há 29 minutos · Curtir · 1
Negra Rose Renata Lembi eo que sempre fazemos , será que vc não vê
há 20 minutos · Curtir
Spagueth Centoeoitentagraus Ninguém está reclamando! Estamos debatendo um assunto que abre um leque para vários outros, todos fazemos trabalos sociais e os meus nem remunerados são, porque são sociais de verdade, partem de mim. Mas é debatendo assuntos e reclamando do que esta errado que abrimos nossa mente para uma ação com mais atitude. Vou trampar até mais...
há 13 minutos · Curtir
Fabio Beat Angola Negra Rose é verdade , muito fácil pra quem nunca sentiu os efeitos da desigualdade racial pedi mais ação! Aqui em africa , estamos estudando a possibilidade de um simposio que falará sobre isso... Sabemos da realidade que africa tem , mais também existem historias lindas aqui !
há 11 minutos · Curtir
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bjs Flavia Souza

Anônimo disse...


Chegou a doer no meu peito as cenas do posto de gasolina - no epsídio de "Suburbia" desta quinta-feira. MAIS UMA VEZ: Pensei nas representações construídas sobre nós as mulheres negras. Na verdade sobre as populações negras. ATÉ AQUI APENAS ISSO. Como argumenta MUNIZ SODRÉ esta grande mídia televisiva, sobretudo, apenas reforça o que existe (O RACISMO, OS ESTIGMAS...). Não tem compromisso com mudanças políticas entre outras dimensões.
Claudia Miranda